VIAGEM AOS PRIMÓRDIOS E HISTÓRIA DO CONSELHO FISCAL: SUAS ORIGENS, IMPORTÂNCIA NAS SOCIEDADES E COOPERATIVAS DE CRÉDITO


Prof. Rodrigo Antonio Chaves da Silva[1]

A idéia de fiscalização é tão antiga quanto a idéia de sociedade, surgiu bem antes do seu conceito formal, e inclusive, era aceita como atividade normal de qualquer família, empreendimento patrimonial, qualquer atividade econômica que tivesse a necessidade de evitar erros, e prover meios materiais para a subsistência.
Como a idéia de fiscalização é muito antiga, a presença de um conselho fiscal, mesmo em dotes rudimentares, também o é.
Isso denota a impreterível e formidável importância desses grupos, para a eficácia das operações e transparência das informações nas sociedades de qualquer natureza, inclusive, nas cooperativas de crédito.
Retornemos no tempo para verificarmos a existência dos conselhos fiscais.
Contam os principais autores de história da contabilidade (na Alemanha o professor Ernest Jenny; Itália os professores Vincenzo Masi, Alberto Ceccherelli, Frederico Melis; na Espanha Esteban Hernandez; no Brasil principalmente Francisco D`auria, José Paulo Cosenza, e Antonio Lopes de Sá), que na Suméria antiga em mais de 4.000 antes da era cristã, havia auditoria das contas, de modo que os balanços e registros que eram gravados em pequenas tábuas de argila cozida, constantemente, eram revisados para evitar fraudes e erros.
Em Lagash (região do oriente médio), há mais de 6.500 anos, já existia a presença de fiscalização e auditoria, nas transações da família real Urukgina (uma das mais importantes na época), e no templo sacerdotal, comprovando que havia uma espécie de conselho que permitia a exatidão das informações e fenômenos patrimoniais de modo interno, por meio das práticas de auditoria.
No Egito antigo também, os contadores, ou os “escribas”, eram revisores das obras faraônicas, e principalmente dos custos de embalsamento dos mesmos faraós, de modo, a evitar qualquer tentativa de dolo, ou dano patrimonial. No rio Nilo se fazia as auditorias por partes de conselhos determinados, principalmente na “casa real” esta fiscalizada periodicamente.
Inexistia, nas civilizações antigas, a noção perfeita ou bem amoldada de sociedade no aspecto jurídico-formal. Haviam as organizações, aquilo que denominamos de “aziendas” (empreendimentos), que eram atribuídas fiscalizações de modo normal, como latência de um possível conselho fiscal a ser mais bem delineado no futuro, como elemento de suma importância para a clareza dos demonstrativos contábeis.
Foi principalmente na Grécia antiga, que apareceu a primeira idéia de um conselho fiscal voltado para a auditoria das contas públicas. Eram chamados “os dez” formados por contadores (logistas – em língua grega), que revisavam as peças dos juízes de contas (juriconsultores), que eram contadores.
Esse conselho era formado por técnicos, e perfazia critérios de auditoria, pois, na Grécia antiga, bem evoluída era a noção de revisão de contas, tal qual, já havia o uso de cheques nas empresas bancárias que eram denominadas de “trapézios” (trapézios em grego significa “mesa”, o local no qual os bancários faziam as negociações de empréstimo, e demais operações financeiras).
Ainda em Grécia antiga, para reforçar o conselho fiscal publico, havia um tipo de “outro conselho fiscal”, chamado de “os trinta” formado por uma série de profissionais: contadores do conselho, contadores administradores, e contadores examinadores. É mais que possível lançar a tese da existência de um conselho fiscal, principalmente porque os “contadores do conselho”, ou “examinadores” eram os que auditavam as contas.
Por tal motivo até o momento percebe-se evidentemente, que em Grécia antiga havia um conselho fiscal na área pública, em sociedades do Estado, mais que comprovado pelos documentos históricos.
O mesmo podemos dizer de Roma.
Roma, cidade monumental, base da cultura ocidental, nação com proveito puros da língua latina, inspirada no nome do grande Rômulo, absorveu e muito a cultura grega no sentido contábil, todavia, evoluindo-a para o âmbito societário, sendo as primeiras sociedades (consoantes a época atual), provindas da era clássica romana, dando-nos o senso de atribuir claramente a existência de um conselho fiscal privado.
Muitas sociedades se efetivaram como a Societas Universorum Bonorum (sociedade universal dos bens), Societas universorum quae ex questu veniunt (sociedade universal dos ganhos auferidos), Societas negotiationis alicujus (sociedade de determinado negócio), societas rei unius (sociedades de um objeto comum) e societas vectigalis (sociedades de arrecadação), conforme expressa o nobre jurista professor Wilson de Souza Campos Batalha.
Especialmente a societas vectigalium ou societas publicanorum que fazia a arrecadação do governo, contudo, com interesses pessoais dos seus proprietários (lembremo-nos dos “publicanos” que são relatados na Bíblia, eles enriqueciam com base nas atividades dessas sociedades as quais eram administradores); é reconhecida como a primeira sociedade existente na história, conforme o esquema moderno, embora naquele tempo em fase rudimentar.
Como sociedade mais bem esquematizada, conforme o modelo atual, é de propor a existência de um conselho fiscal nas vectigalium.
As sociedades dos publicanos fora substituída por sociedades propriamente do Estado no século V, devido ao fato da proibição de sua atividade, pois na realidade eram empresas privadas que faziam funções públicas, como a arrecadação de tributos, com largas comissões para seus proprietários.
A evolução fora ponderando na idade média, de modo que praticamente surge o conceito de sociedade com o nítido poder do conselho fiscal em 1407, no Banco de San Giorgio na Itália. Foi nesta instituição financeira que aparece com nítida ênfase, um conselho fiscal próximo à realidade moderna da sociedade, dentro da sua hierarquia.
A partir daí, nos demais séculos temos claramente sociedades expansionistas que declaram a existência de conselhos fiscais, como podemos citar: a East India Company, em 1600, a Joint-Stock Company em 1600, a Companhia Holandesa de índias Orientais (1602), a Companhia Inglesa das Índias Ocidentais (1612), a Companhia das Ilhas da América (1626),  a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (1621), as Companhias Francesas das índias Ocidentais e Orientais (1664), a Nova Companhia das Índias (1717), entre muitas.
Podemos perceber que desde a primeira aparição do conselho fiscal oficialmente, de 1407 em diante, dificilmente se via uma sociedade anônima sem a existência de tal grupo interno.
Mas, não havia ainda a presença do conselho fiscal nitidamente em sociedades limitadas, isso viria a ocorrer no século XVII, antes disso muita coisa acontecera. Por exemplo, no século XV, na Espanha, já existia conselhos fiscais públicos e privados; foi no setor público que houve pela primeira vez na história a menção do nome de “contador” por um decreto real do rei espanhol, exigindo a fiscalização de suas contas.
No século XVII, em França, Inglaterra e Itália já havia conselhos fiscais definidos em sociedades, pois, foi na evolução destas, que se exigiria tal grupo numa posição mais forte e efetiva.
Nas sociedades anônimas normalmente, os conselhos fiscais eram evidentes, porém, todavia, não havia um “rol” de sociedades como temos no momento. Além disso, as práticas de negociações eram muito mais tradicionais nas anônimas, pois, em Holanda, a palavra ação era muito usada desde 1606. Contudo, era necessário estender este grupo para outras sociedades.
Portanto, temos que atinar um pouco para questões políticas que existiam em França em 1807, com a presença do código comercial, disciplinando as sociedades anônimas que tinham que ter permissão do governo. No entanto, a lei prescrevia uma abertura para sociedades acionarias sem a permissão do governo eram as comanditas por ações (comandita significa “fundo patrimonial”).
Como as sociedades de comandita por ações eram livres, e com interesses absolutamente privados, houve a chamada “febre de comanditas” que foi o número crescente de abertura de tais sociedades com muita frequência.
A partir daí surgiram as comanditas simples, e depois a sociedade limitada com posição semelhante na questão da obrigação proporcional dos sócios com as dívidas, ou responsabilidade limitada.
Portanto, em 1850 com a existência das sociedades limitadas, fora já a existência das demais, a presença do conselho fiscal ficou tão perene e tão necessária, que a maioria dos juristas do século passado, e presente tempo, admitiam a existência do balanço somente após a aprovação feita pelo conselho.
No Brasil, os conselhos fiscais eram figurados pelas “câmaras brasileiras”. A primeira, existente em 1532 na vila de São Vicente. Na casa dos vereadores havia toques de fiscalização, por tal se chamavam “Casas de conselho” nas quais funcionavam até as prisões e cárceres. Somente em 1828, que se criou o poder judiciário dividido, para não misturar o ministério público com as câmaras de fiscalização.
Com o aparecimento da primeira sociedade anônima no Brasil em 1649, sem dúvidas, houve o primeiro conselho fiscal. Depois com a existência de importantes bancos públicos e privados notou-se tais conselhos. E sua posse era mais que obrigatória, ainda após o código comercial em 1850.
No início do século, foi permitida por lei a existência de um conselho fiscal em cooperativa, estendendo a regra às de crédito. Hoje, a idéia permanece atestada e comprovada pelas normas do Banco Central, Centrais de crédito, e sistemas cooperativos do Brasil, devido a sua importância na coibição de erros, e exames de eficácia da carteira e disponível.
Não obstante, percebemos pelo rápido texto a sensível importância do conselho fiscal em todas as sociedades, até nas mais rudimentares da história, nos primórdios da civilização humana, estendendo-se às cooperativas de crédito.
Portanto, embora tenhamos esta insígnia figura do grupo e sua função imprescindível, muito temos ainda que explorar de sua história, que releva um passado cheio de glórias, que não deixa de enaltecer um futuro cheio de perspectivas, anseios, louvores, devido a sua relevância impreterível na transparência, e efetividade da exatidão das demonstrações contábeis, invulnerabilidade dos erros, danos, e fraudes, e sua respectiva coibição. 



[1] - Consultor, contador-analista, perito, conselheiro fiscal do Sicoob União, especialista em gestão econômica de empresas, professor universitário da faculdade doctum-Caratinga, Ganhador do prêmio internacional de história da contabilidade Martim Noel Monteiro (2007/2008), prêmio internacional de contabilidade financeira (2008/2009), prêmio internacional Rogério Fernandes Ferreira (2011), membro imortal da Academia Mineira de Ciências Contábeis, e da Academia de Ciências, Letras, e Artes de Manhuaçu, autor de dez livros de contabilidade pela editora Juruá, e mais de cem artigos em revistas do Brasil e exterior. E-mail: rachavesilva@yahoo.com.br, profrodrigo.chavess@yahoo.com.br.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

DIA 22 DE SETEMBRO: DIA DO CONTADOR

O valor da teoria neopatrimonial

OS CUSTOS NO PROCESSO GERENCIAL E PRODUTIVO